Vila Bela comemora 252 anos em 19.03
João Bosco da Silva[1]
A capitania de Cuiabá e Mato Grosso foi desmembrada da capitania de São
Paulo pelo Alvará de 09 de maio de 1748. Para tanto necessitava de uma
sede administrativa, pensando por esse aspecto e buscando ampliar seus
domínios na America a coroa portuguesa resolve edificar a Vila-Capital
na Repartição de Mato Grosso e assim foi pensada Vila Bela da Santíssima
Trindade.
Vila Bela da Santíssima Trindade foi planejada e edificada durante o governo de D.
Planta Baixa de Vila Bela da Santíssima Trindade de 1789. Fonte: Nestor Goulart Reis. Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial, 2000. p. 260. Autor desconhecido. |
A
edificação da vila-capital, era a representação maior da posse da coroa
portuguesa no extremo oeste da capitania de Cuiabá e Mato Grosso.
A
idealização de Vila Bela da Santíssima Trindade começa a partir de
1748, com insígnia de ser sede política de um espaço fronteiriço. E,
logo que começou a ser edificada, às margens Rio Guaporé, a vida dos
seus moradores passou a ser regulamentada pelas Posturas Municipais,
colocadas em prática a partir de 1753 (Rosa & Jesus, 2003, p. 195 a 212).
D.
Antonio Rolim de Moura Tavares, escolheu o lugar estratégico onde seria
edificada a Vila-Capital. “Em novembro, (de 1751) com a estação das
águas ele resolveu ir observar pessoalmente a enchente daquele verão. Em
vez de seguir por terra, rodou o Guaporé abaixo e se encantou coma
beleza de um sítio chamado ‘Pouso Alegre’ ”(Canavarros, 2004, p.323).
Deve-se ter em conta que a Vila do Bom Jesus do Cuiabá, fundada em 8 de
abril de 1719, sendo o primeiro núcleo colonizador, foi descartada para
ser a Capital da Capitania por questões de alargamento e definição de
fronteira.
O
encantamento despertado em D.Rolim de Moura fez com ele selecionasse
entre vários outros lugares este sítio para edificar a capital da
recém-criada capitania. “Elegeu esse lugar por ter um clima menos
doentio que dos arraiais” (Santos, 2001, p.71) [refere-se
aos antigos arraiais mineradores, localizados na serra de São Vicente,
local onde se deu início a colonização da região denominada Mato
Grosso].
“Estar
quase na margem do Guaporé [...] ser defensível, ter campos com pastos
para os animais dos moradores, capões abundantes de lenha e mesmo de
madeira, ter na sua proximidade, grandes matas onde se podiam fazer
estabelecimentos de lavoura”, (2001, p.71) pesaram na escolha
desse local para a edificação da capital esta no fato de além de ser
sadio, ser facilmente defensável e situado estrategicamente, num ponto
extremo ocidental da Capitania, salvaguardando a posse portuguesa sobre
esses territórios.
E,
Rolim de Moura encontrou no local onde seria a futura sede do governo
da capitania de Cuiabá e Mato Grosso “tudo o que uma vila precisava: boa
água, campos, florestas e via de comunicação esplêndida. Atendia em
tudo aos requisitos reais e ficava à beira do Guaporé” (Canavarros,
2004, p. 323).
E, a 19 de março de 1752 a
Vila-Capital começa ser erigida e passa a ter o nome de Vila Bela da
Santíssima Trindade. De acordo com Provisão Régia de 5 de agosto de
1746, vários incentivos foram dados às pessoas que optassem por fixar
moradia ali, entre os quais pode-se citar: “Pagamento de meio quinto ou
meia capitação, não pagamento dos direitos de entrada e o não pagamento
dos dízimos por tempo de doze anos, não execução por divida contraídas
fora da vila e de seu distrito dentro de três anos” ( Leverger, 2001,
p.42).
Portanto
a coroa portuguesa de tudo fez para que as pessoas fossem se
estabelecer na Vila-Capital de Mato Grosso e com esse processo garantir a
posse efetiva da região para os lusitanos. Visto que de acordo com o
tratado de limite de 1492, estas terras pertenciam oficialmente à coroa
da Espanha, por isso:
Era
importante para os portugueses a criação de uma vila no Extremo Oeste
que auxiliasse o povoamento. [...] No início, a vila se resumia a um
tronco de piúva, servindo de pelourinho. Fincado no meio do descampado,
sinaliza o centro da futura praça. [...] (2004, p.324)
Em carta de 22 de novembro de 1752 a Dom José I, rei de Portugal, Rolim de Moura argumenta:
Escolhi
para a praça principal um terreno mais alto e fora de todo o risco das
cheias [...] distante do rio quinhentos passos [...] com os quatro lados
da dita praça [...] determinei o que fica ao oriente para a matriz e do
poente para as Casas da Câmara, e do norte para as residências e do sul
para quartéis. Saem de cada ângulo da mesma praça duas ruas em
direitura cada uma de cada um dos lados [...] e lhe dou setenta palmos
de largo. [...] As casas todas vão bem perfiladas [...] enquanto a
igualdade e simetria das fachadas me têm relaxado. [...] As casas que
agora fazem não são muito dura, por serem de pau-a-pique (Canavarros,
2004, p.325)
Percebe-se
através desta carta que desde o princípio houve preocupação para com o
espaço urbano da Vila–Capital, as casas perfiladas, a simetria das ruas,
e a praça como principal edificação da vila, orientando as outras
construções.
Como
parte da política urbanística setecentista a edificação de Vila Bela da
Santíssima Trindade na fronteira com as terras de Castela constituía
uma vitória e representação de poder do Estado luso no extremo oeste da
América portuguesa, pois, “as cidade e vilas colônias tornaram cenários
privilegiados da dinâmica do poder do Estado metropolitano nos
territórios, principais centros urbanos, palco físico e simbólico das
estruturas do poder político e econômico da Metrópole, espaço de sua
plena visibilidade e ao mesmo tempo lugar no qual nada deveria escapar à
sua ação e controle” (Bicalho, 1998, p. 43).
Em 1772, chega à capitania de Cuiabá e Mato Grosso o 4º capitão general e governador, Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres,
militar de carreira, pessoa de confiança da coroa portuguesa,
especialmente do marquês de Pombal. Ele, como outros capitães generais
que o antecederam (1º Governador da Capitania do Mato Grosso e Cuiabá:
D. Antonio Rolim de Moura Tavares (17/01/17751 a 25/09/1749); 2ª
Governador: João Pedro da Câmara (01/01/1765 a 03/01/1769); 3º
Governador: D. Luis Pinto de Souza Coutinho (03/01/1769 a 13/12/1772)
traz consigo ‘Instruções’ de como proceder para bem governar a
capitania.
Entre
seus projetos, pretendeu o 4º capitão general e governador da capitania
de Cuiabá e Mato Grosso, redimensionar o perímetro urbano da vila,
fazendo com que as novas construções fossem levantadas o mais longe
possível do rio Guaporé, pensando assim numa maneira prática de
salubridade.
A VILA BELA QUE LUIS DE ALBUQUERQUE ENCONTROU
Vila
Bela, os arraiais e povoados da Repartição de Mato Grosso (A Capitania
de Mato Grosso, criada em 1752, foi dividida em duas repartições: a do
Cuiabá,cujo principal aglomerado urbano se concentrava na Vila Real do
Bom Jesus; e a do Mato Grosso, tendo Vila Bela como principal aglomerado
urbano), em 1772, ano da chegada de Luis de Albuquerque, “era habitada
por cerca de 4.200 pessoas, sendo em sua maioria homens entre 16 e 50
anos – quase 2.377, e 18,5% de mulheres. O contingente feminino era,
portanto bem menor; o total de mulheres entre 15 e 50 anos não chegava a
528” ( AHU,Cx. 15.Doc. 90).
Vale
salientar também que a Vila-Capital era um lugar visivelmente mestiço,
pois 2/3 de seus habitantes eram negros, índios e mulatos. Estes eram
quem ocupavam as mais diversas funções na vila, trabalhando como
pedreiros, barbeiros, ambulantes, domésticos, entre outras atividades.
Por sua vez, a população branca que representava 1/3 do total dos
habitantes, se dedicava ao comércio e à mineração ou exercia funções
ligadas a órgãos governamentais.
Em
termos de estrutura urbana, o novo governador encontrou na sede da
Vila-Capital, além igreja da Matriz, mais duas capelas, a de Santo
Antonio e a de Nossa Senhora Mãe dos Homens ou do Carmo, e quatro
capelas sucursais localizadas nos arraiais mineradores próximos a Serra de São Vicente. Eram as capelas de:
São
Francisco Xavier da Chapada, distante 10 léguas; a de Nossa Senhora do
Pilar, a igual distancia; a de Santana, 12 léguas distante, e a de São
Vicente, a 19 léguas. Nesta
ocasião as igrejas das antigas localidades de Lamego e Leonil já se
achavam abandonadas, por falta de sacerdotes (Leverger,2001, p.68).
Aliás,
a ausência de religiosos era sentida também na própria Capital, pois
como bem nos demonstra Leverger, mesmo a Matriz daquela Vila: “Desde
de sua fundação achava-se servida por párocos encomendados. O seu
rendimento excedia a cinco mil cruzados pouco mais ou menos” (2003,p.
89).
Isto,
entretanto não significou a ausência do poder religioso sobre a
população vilabelense, como em outras localidades coloniais lusitanas,
ali também, o tempo era regulamentado de acordo com as regras da Igreja
visto que era essa instituição que direcionava a hora de abrir e chegar
às tavernas e casas comerciais, por exemplo, as tavernas não poderiam
abrir depois da Ave Maria, ou seja, todas deveriam fechar às dezoito
horas.
A
praça principal da vila abrigava os diversos edifícios públicos, tais
como a Matriz, Casa da Câmara, e Cadeia, Casa de Fundição, Real Fazenda.
Na
Vila-Capital, quando da chegada do 4º capitão general os preços dos
produtos eram super faturados, levando-o a proibir, em 1773, que “Os vendilhões abusassem da sua posição para vender seus genros por exorbitantes preços” ( Rohan, 2001. P.68).
Com
referência à segurança, era um tanto quanto precária, já que “[...] a
sua defesa consiste na sua situação, nos rios que lhe serve de barreira,
nos bosques e pantanais que o circundam, e finalmente num sertão de 50
léguas, incultos e quase desconhecidos que o separa da Província de
Chiquitos” ( 2001,p. 56).
Portanto,
a Vila-Capital que o 4º capitão encontrou era pouco guarnecida,
valendo-se mais da própria natureza do que de um aparato militar e, para
completar a situação, a pouca tropa que havia sido deixada por Luis
Pinto de Souza Coutinho, antecessor de Luis de Albuquerque - de acordo
com o artigo 13º das ‘Instruções’, era insolente, indisciplinada e não
respeitava as regras impostas.
Em
carta que dirigiu em 1773 ao secretário do Estado da Marinha e Ultramar
Martinho de Melo e Castro, Luis de Albuquerque queixava-se: “As
Ordenanças [...] desta vila consiste em alguns centos d’homens, de que
apenas uma sexta ou sétima parte serão brancos; sendo todos os mais,
mulatos, índios e negros forros [...]”( AHU,Cx.15. Doc.90).
Percebe-se,
pois, que ao lado da seguridade, o governador faz uma observação sobre a
composição étnica da população vilabelense, salientando que a mesma era
composta na sua maioria por não brancos. No mesmo documento e
complementando suas descrições sobre a população masculina que poderia
ser chamada no caso de defesa, conta-nos ainda que a maior parte dos
homens com idade de pegar em armas para defender a região de fato não
eram moradores estabelecidos naquela localidade, tendo mais uma relação
efêmera, pois:
Porquanto
sendo muito poucos os homens que se acham com estabelecimento fixo
nestas colônias; mal se pode contar com eles sem a evidente contingência
de só encontrarem quanto foram preciso para qualquer expedição; porque a
maior parte dos referidos ou são negociantes que continuamente giram
para o Para, Bahia, Rio de Janeiro, e por conseqüência não residem no
País ou são homens sumamente endividados e perseguidos, que por evitar
os seus credores, raras vezes se resolvem a sujeição de viver na
sociedade das povoações [...] (AHU, Cx. 15. DOC. 90)
Durante o longo governo de Luis de Albuquerque (1772- 1789) esse governante
Usou
de variadas estratégias para minimizar os efeitos dos fenômenos
naturais que ocorriam na vila-capital, entre os quais a constantes
enchentes do Rio Guaporé. Logo que toma posse, Pereira e Cáceres passou a
recomendar que as novas construções da vila fossem levantadas ao máximo
de distância das margens do rio Guaporé.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Vila
Bela da Santíssima Trindade pensada e edificada no extremo oeste da
capitania de Cuiabá e Mato Grosso para ser a vila-capital de uma das
capitanias mais importantes para a Coroa portuguesa, pois guardava em
seu interior riquezas ainda por ser explorada, por isso essa capitania
mereceu da metrópole atenção especial, e como essa terras de acordo com
Tratado de Tordesilhas (1492) pertenciam à Espanha, era necessário
buscar formas de garantir a posse das mesmas aos lusos, entre essas
formas foi pensar e edificar uma vila na Repartição de Mato Grosso, e
assim que foi feito.
Nessa
vila foi criada todo instrumental arquitetônico para ser a Vila-Capital
que ao seu tempo como foi demonstrado ao longo desse escritos serviu de
antemural da América portuguesa e consecutivamente garantiu aos lusos a
pose efetiva desta vasta e rica região. Plantada no extremo oeste da
capitania de Cuiabá e Mato Grosso, em um espaço estrategicamente
conveniente em um momento em que os tratados de limites ainda estavam
sendo negociados entre as coroas ibéricas, tal vila serviu representou
vitória das conquistas dos lusos aos longínquos e inóspitos ‘sertões’.
E, entre 1752 a 1835 Vila Bela da Santíssima Trindade serviu de sede
administrativa de Mato Grosso.
Hoje
Vila Bela não tem mais o status de capital, porém é inegável sua
importância no contexto nacional e regional, visto em um momento
adequado serviu de sentinela das terras brasileiras. E, ao comemorar
mais um aniversário desta cidade é necessário destacá-la sempre como
antemural de toda América portuguesa, pensada e edificada para guarnecer
e proteger os domínios portugueses na América.
BIBLOGRAFIA CONSULTADA
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ROSA, Carlos Alberto e JESUS Nauk Maria de. A Terra da Conquista: História de Mato Grosso Colonial. Editora Adriana. Cuiabá. 2003.
[1]
Mestre em História pela UFMT. Desenvolveu pesquisa com o tema: “Vila
Beal à época de Luis de Luis de Albuquerque (1772 – 1789)”. Atualmente
esta lotado SEDUC/MT - Gerência de Diversidade. Contato:
joao.silva@seduc.mt.gov.br
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